Processo Tributário Modulação de efeitos, raciocínio fingido e método
Por Rodrigo G. N. Massud.
Raciocínio fingido (sham reasoning) é conceito utilizado por Charles Sander Peirce para identificar, na investigação científica, processos decisórios que acabam por falsear a dúvida objeto de investigação, pois já contém uma crença em si mesmo: ?quando estou em dúvida, não sei como vou agir, diferentemente de quando tenho uma crença? [1].
Esse é o fenômeno que vem ocorrendo atualmente em matéria de modulação de efeitos nas teses tributárias.
Acomodação histórica
A modulação de efeitos das decisões judiciais surge como uma necessidade da incorporação e desenvolvimento do controle concentrado de constitucionalidade no Brasil, desaguando, rapidamente, no inicial controle difuso e no modelo de precedentes que passou a evoluir a partir da chamada objetivização ou transsubjetivização dos casos individuais.
O difuso torna-se concentrado e aquilo que nasce como exceção passa a ser regra, ou seja, a modulação passa a ser adotada como política judiciária (das mais variadas).
Daí decorre a distorcida fórmula modulatória que vem sendo adotada nos últimos tempos pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, sobretudo em matéria tributária, ora utilizando (1) razões de gestão de acervo de processos em busca da redução de litígios [2], ora empregando (2) razões orçamentárias nas contas públicas [3], ora fundando (3) em razões de igualdade econômico-concorrencial [4].
Essa postura identifica-se com um instrumentalismo ideológico ou utilitarista, próprio da terceira fase histórica do Processo Civil, no qual a fundamentação acaba sendo fim (e não meio) para o atingimento de certas finalidades desejadas.
Tem-se com isso a adoção de um consequencialismo degenerado em matéria de modulação, pautado em crenças e dirigido às consequências (momentâneas) dos casos presentes, mais afeto ao law and economics de Richard Posner, fortemente caracterizado pelo racionalismo a priori, no qual se pretende maximizar dogmaticamente certos tipos de consequências, dando ênfase à justificação da decisão [5][6].
A justificação da decisão passa a ser fim para a realização dos desígnios constitucionais.
O problema disso é que, pela ausência de um adequado método, as decisões sobre modulação acabam não cumprindo seu papel de previsibilidade e segurança jurídica para que os jurisdicionados possam direcionar, pautar e programar suas condutas futuras.
[1] ?A crença não nos leva a agir de imediato, mas nos coloca em situação tal que, chegada a ocasião, nos comportaremos de certa maneira. A dúvida não tem, absolutamente, esse efeito ativo, mas estimula-nos a indagar até vê-la destruída.? PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo, Perspectiva, 1999. p. 77.
[2] Esse é o caso das modulações focadas em datas de afetação de recursos repetitivos, inclusão em pauta de julgamento, publicação do acórdão, ou status dos processos nas instâncias de origem. Vide, por exemplo, os Temas 986 e 1079 do STJ, nos quais se previu uma regra de modulação pautada na existência de decisão favorável ao contribuinte na data do início do julgamento do precedente.
[3] Exemplo do Tema 745/STF (?ICMS-seletividade?). Veja-se a fundamentação da modulação no voto do Min. Dias Toffoli: ?(?) De mais a mais, destaco que houve a devida ponderação dos interesses em conflito no julgamento daquela nova proposta de modulação dos efeitos abarcando-se os dos estados-membros, do Distrito Federal e os dos contribuintes, considerando-se, ainda, que as perdas de arrecadação em razão da tese fixada ocorreriam em tempos difíceis. (?).? (grifamos).
[4] Exemplo dos Temas 881 e 885 do STF. Veja-se a fundamentação para a não modulação no voto do Min. Roberto Barroso: ?(?) quem não o recolheu, supostamente beneficiado por uma coisa julgada claramente superada, levou vantagem competitiva sobre todos os concorrentes. E penso que se estaria produzindo uma injustiça tributária e uma consequente injustiça econômica se nós modulássemos em favor dos que, mesmo sabendo a claríssima posição do Supremo de ser devido o tributo, ainda assim, persistiram em não o recolher.?
[5] POSNER, Richard. Direito, pragmatismo e democracia. Tradução Teresa Dias Carneiro. Rio de Janeiro, Forense, 2010.
[6] ________ . Richard A. A problemática da teoria moral e jurídica. São Paulo. Martins Fontes, 2012.
Matéria completa em: https://www.conjur.com.br/2024-out-27/modulacao-de-efeitos-raciocinio-fingido-e-metodo/