Processo Tributário A reforma tributária e o contencioso fiscal: análise crítica

Por Diego Diniz Ribeiro e Jorge Marquezi.
Introdução: um breve panorama do porvir
A reforma tributária sobre o consumo [1] foi aprovada no plano constitucional, a qual dependia (e, em alguma medida, ainda depende) de tratamento legislativo infraconstitucional para operar. O primeiro grande passo para isso se deu em janeiro de 2025, com a aprovação da Lei Complementar nº 214. Tais alterações normativas trarão grandes mudanças na tributação do país, na busca de uma almejada simplicidade e neutralidade do sistema (ao menos esses são os princípios norteadores da mudança, segundo alardeado pelos reformistas).
Essa profunda alteração do sistema tributário nacional é objeto de uma série de estudos e artigos em vários segmentos da sociedade, sem que, contudo, seja dada a mesma ênfase para os desafios da reforma tributária nos campos processual e da administração do contencioso fiscal, desafios esses que certamente existirão [2], porque muito embora constitucionalmente imposta a identidade do critério material da regra-matriz de incidência tributária, da base de cálculo, do sujeito passivo e hipóteses de não incidência do IBS e da CBS, a sujeição ativa desses tributos é assumida por diferentes entes tributantes, o que coloca o contencioso em diferentes ambientes jurisdicionais, tanto na esfera administrativa como judicial.
A utopia de parte dos reformistas
Para parte dos reformistas talvez o presente texto seja despiciendo, uma vez que, segundo eles, a pretendida simplicidade dos novos tributos eliminará as controvérsias tributárias e, com isso, reduzirá o contencioso daí decorrente.
A realidade, fruto da experiência tributária brasileira, aponta para outra direção, razão pela qual não coadunamos com o discurso no sentido do término desse contencioso. A aprovação de um IVA dual, e não de um IVA único (como originalmente almejavam os reformadores), por si só, é indício de divergências que poderão surgir em razão de interpretações distintas em torno de tributos que apresentam uma incidência comum, já que as questões necessariamente serão definidas em ambientes jurisdicionais distintos (federal, no caso da CBS, e estadual, no caso do IBS).
Convém lembrar que União, estados, Distrito Federal e municípios possuem Tribunais Administrativos próprios [3], aptos a resolver conflitos sobre exigências tributárias de suas competências, além de também se sujeitarem a diferentes jurisdições no plano judicial, competindo à Justiça Federal julgar os casos que envolvam a União e à Justiça Estadual as demandas que apresentem como partes os estados e os municípios [4].
Os problemas a serem enfrentados no plano do contencioso
A primeira dúvida que surge diz respeito à legitimidade processual, particularmente no caso do IBS. No caso desse novo imposto, cuja competência engloba os estados, Distrito Federal e municípios, na hipótese de eventual questionamento a ser promovido pelo sujeito passivo por meio de uma ação antiexacional ordinária, haveria a necessidade de um litisconsórcio passivo necessário [5] por parte de tais entes tributantes em razão da natureza da relação jurídica controvertida? Esse eventual litisconsórcio também seria unitário [6], nos termos do artigo 116 do CPC [7]? Ou, não se admitindo o litisconsórcio aqui cogitado, os demais entes poderiam atuar como terceiros interessados no processo, na qualidade de assistentes processuais, nos termos do artigo 119 do CPC [8]?
[1] As contribuições do PIS e da COFINS, além do IPI, ICMS e ISS serão substituídos por um IVA dual (IBS e CBS) e pela implementação do Imposto Seletivo. A migração de modelos será gradual, havendo, por longo período, a convivência conjunta do velho e do novo modelo. Não obstante, ainda é esperada a proposta de mudança para a tributação sobre o patrimônio e a renda, com a apresentação de recente proposta do governo federal a respeito.
[2] Abordando a reforma sob o viés do processo remetemos o leitor(a) aos seguintes textos:
https://www.conjur.com.br/2023-dez-07/como-sera-o-contencioso-administrativo-para-a-cbs-e-o-ibs/
[3] Os quais apresentam diferentes formas de composição dos seus órgãos julgadores e, em determinadas circunstâncias, até mesmo diferentes efeitos para a resolução prática ofertada ao conflito (vide os efeitos do voto de qualidade do âmbito do CARF, por exemplo).
[4] Tratando das competências da Justiça Estadual e da Justiça Federal para julgarem, respectivamente, o IBS e a CBS: A reforma da tributação do consumo e o contencioso tributário. Consultado em 05.02.2024. Aliás, nesse mesmo artigo, os Autores também se preocupam com o risco de divergências hermenêuticas que a implementação do IVA dual pode gerar.
[5] Previsto no art. 114 do CPC, in verbis:
Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes.
[6] É sabido que o litisconsórcio necessário não é sinônimo de litisconsórcio unitário e vice-versa, mas no presente caso, reconhecido o litisconsórcio entre os diferentes entes tributantes, nos parece impossível pensar em decisões antagônicas para tais partes, já que elas comungam da mesma competência tributária, fruto de um tributo que será único para tais entes.
[7] Art. 116. O litisconsórcio será unitário quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes.
[8] Art. 119. Pendendo causa entre 2 (duas) ou mais pessoas, o terceiro juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma delas poderá intervir no processo para assisti-la.
Parágrafo único. A assistência será admitida em qualquer procedimento e em todos os graus de jurisdição, recebendo o assistente o processo no estado em que se encontre.
Acompanhe a matéria completa em: https://www.conjur.com.br/2025-mar-23/a-reforma-tributaria-e-o-contencioso-fiscal-analise-critica/

