Um brinde à Primavera
Mamãe usava o polegar para cortar folhas secas e 'roubar' galhos para fazer mudas, em todo lugar por onde passava, era rápida e precisa, nunca consegui aprender essa técnica.
Papai ficava o dia inteiro carpindo, fazendo covas e enchendo com folhas secas e adubo para 'a plantinha ficar forte e me devolver tudo em forma de frutas e flores.'
Meus pais me ensinaram a amar a Natureza e todos os anos nós celebrávamos a chegada da Primavera, comemorávamos quando um pêssego pequenino despontava no galho, ou quando o ipê se enchia de flores amarelas, ou quando a flor da laranjeira avisava que a laranja estava a caminho.
Eu compreendi a dança da vida, do nascer e morrer, adormecer e voltar vendo as folhas brotando e caindo, observando os pássaros voltando para buscar comida, acompanhando encantada, o milagre da flor se transformando em fruto e papai embaixo da árvore se lambuzando de caldo e alegria.
Tudo na Natureza nos ensina sobre o milagre da Vida, cada folha que retorna no galho que acreditávamos morto, traz um recado de Deus, uma mensagem sutil para nos lembrar que não existe fim, nada acaba e tudo se renova, ainda que nosso coração esteja repleto de saudades e insegurança.
Minha mãe me ensinou a tirar praga das flores, afofar a terra do vaso e adubar porque 'ninguém gosta de comer comida dura parecendo uma pedra e sem sabor'.
- Mirinha você não regou essas plantas? Está esperando que ela ande até a torneira?
Meu pai me ensinou a usar a enxada ? 'Não precisa fazer tanta força, só solta e o peso próprio já arranca o mato. Desse jeito você não consegue carpir nem meia hora.'
- Você parece que está batendo com raiva nesse mato, não precisa disso, é só tirar e ele sai.
Mas na verdade, eles estavam me ensinando que a Vida é preciosa e precisa ser alimentada, cuidada, respeitada para que os frutos sejam saudáveis e as flores coloridas e perfumadas. Eu aprendi a lição e acho que cuidei deles com todo o amor que eu sabia oferecer, com respeito e gratidão; os frutos e flores são essas histórias e ensinamentos com que eles alimentaram meu coração, são os momentos mágicos em que juntos plantamos e saboreamos os frutos dos nossos sonhos. Foram tantos sonhos que sonhamos juntos, foram tantos momentos em que precisei correr para proteger e impedir que a tempestade ferisse meus amores, quando eles já não podiam se proteger.
E agora eles estão enfeitando meu jardim e alimentando meu pomar e meu coração.
Um brinde à Primavera meu velho e minha velhinha!
Míriam Morata autora de 'Alzheimer diário do esquecimento' e 'Alzheimer recolhendo os pedaços'
Lindas palavras Miriam.