Quem cuida de quem cuida?

CUIDA DE MIM

Alguém que eu Amo tem Alzheimer

Meu nome é Miriam Morata Novaes, sou arquiteta, escritora, nunca tive nenhum conhecimento na área de saúde, e ainda assim fui cuidadora dos meus pais durante o processo da doença de Alzheimer até o fim.

Meu pai foi diagnosticado em 2006 e minha mãe em 2014.

Nesse intervalo eu presidi uma ONG que tinha como objetivo - Construir uma casa popular sustentável que tenha valor máximo de R$ 10.000,00 e ensinar moradores de comunidades e ocupações a construir essa casa, fazer os componentes e a tecnologia.

Criei um Blog que hoje tem mais de 20 milhões de visitas. - http://www.recriarcomvoce.com.br/blog_recriar/

Nesse período fui convidada para desenvolver esse projeto como tema de Doutorado na UNICAMP, terminei os créditos, ganhei prêmio como projeto mais criativo e inovador, mas não pude continuar correndo atrás desses sonhos.

Porque estou contando isso?

Porque parei tudo e entrei no universo assustador do Alzheimer.

Mudei o cenário, o roteiro, os sonhos... Sai a Arquitetura Sustentável e entra Alzheimer; sai a Arquiteta Míriam e entra uma criança assustada, desesperada, esgotada que entrou no mar bravo no meio de uma tempestade, pilotando um barquinho de papel que tinha apenas dois tripulantes, meu pai e minha mãe. 

Alguns dados assustadores:

- É uma doença degenerativa do cérebro, incurável cujas células se deterioram de forma lenta e progressiva, provocando uma atrofia do cérebro.

- Todo ano, em todo o mundo, são diagnosticados quase 8 milhões de novos casos de demência, ou 1 a cada 3 segundos;

- Brasil tem a quinta maior população idosa do mundo, com mais de 28 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. Isso representa 13% da população do país;

- Hoje no Brasil mais de 1,5 milhões de pessoas são diagnosticadas com demência;

- Estima-se que de 5% a 8% da população de maiores de 60 anos sofra demência, e que o número total de pessoas atingidas pela doença supere os 82 milhões, em 2030 e os 152 milhões em 2050.

E no meio desses dados mensuráveis e amplamente divulgados pela mídia, existe outra realidade que poucos conhecem - o cuidador familiar. Aquele que se vê sozinho, despreparado e assustado dentro de uma realidade surreal, desesperadora, irreversível onde alguém amado, mãe, pai, marido, avó, esposa, irmão... é diagnosticado com Alzheimer e a partir daí começa uma descida ao pior momento de sua história.

O cuidador familiar conhece outros dados que não constam em nenhum Tratado de Medicina, Psicologia, Direito, Economia, etc.:

- O Alzheimer é como um triturador que despedaça o paciente e o cuidador, cada um de um jeito diferente. Enquanto o paciente vai morrendo um pouco a cada dia, apagando sua história, relações, lembranças, sonhos, desejos, gestos... o cuidador não esquece de nada, pelo contrário, tem tudo isso vivo, despedaçado e espalhado pelo chão do seu universo caótico.

- Todo ano, em todo o mundo, são diagnosticados quase 5 ou 6 milhões de novos casos de pessoas que abandonam tudo para cuidar de alguém diagnosticado com demência;

- Hoje no Brasil mais de 1 milhão de pessoas são obrigadas a assumir o papel de cuidador familiar;

• Quem é o Cuidador Familiar?

- São pessoas que interrompem carreira, cursos, pesquisas, sonhos, projetos, saem de seus empregos, acumulam dívidas e depois que o paciente morre não tem estrutura e nem oportunidades para retornar ao mercado de trabalho.

- Alguém que nunca teve preparo para lidar com a morte lenta de alguém amado, a loucura; depressão, medo, esgotamento físico e psicológico e total impotência e insegurança diante do presente e do futuro.

- Alguém que é abandonado pela família, amigos, Estado e assume sozinho a função de cuidar, ao mesmo tempo em que precisa se preocupar em guardar recibos e notas fiscais para justificar cada despesa, pois futuramente precisará provar para aqueles que abandonaram o paciente, que não roubou um idoso demenciado.

- Alguém que não pode trabalhar porque fica 24 horas em função do paciente, mas as dívidas começam a acumular, assim como as despesas com remédios, produtos de higiene, manter duas casas (no meu caso minha mãe veio morar comigo e eu mantinha a casa e os cachorros dela);

- O cuidador está quebrado, sem forças, com depressão, fora do mercado de trabalho, com dores musculares de tanto carregar o seu amado, tentando recolher seus pedaços e recomeçar a Vida que ficou parada à espera. Esses pedaços de uma vida que estão espalhados no chão, não entram na herança para aquele familiar que nunca ajudou a cuidar?

O Alzheimer acaba para o paciente no momento da morte, mas para o cuidador familiar começa outra doença ? Pós-Alzheimer é a doença que deixa o cuidador tentando se curar de tudo que viveu - culpa, remorso, insônia, medo, revolta, cansaço crônico, dores nos músculos e juntas, depressão, vazio, saudades... mas não tem forças para nada.

• Abandono do Cuidador Familiar

Temos 3 grupos no Whatsapp que hoje tem mais 450 participantes, que se apoiam 24 horas por dia.

Os grupos do facebook tem mais de 80 mil membros, sendo que os grupo tem média de 100 mil reações, postagens, comentários por mês.

Aprendi durante esse período que o Cuidador Familiar está sozinho, sem nenhum amparo do Estado, da Família e invisível para a sociedade.

- Não tem Lei que o proteja, não tem Estatuto, não tem apoio de Programas Sociais e Políticas Públicas que ajudem a carregar esse fardo insuportável; não tem nenhum Benefício para recomeçar sua vida e retornar ao Mercado de Trabalho depois da morte do paciente; não tem nenhum benefício legal sobre a herança e depois de parar a vida e abrir mão de carreira e projetos, vai receber a mesma proporção dos irmãos que abandonaram o idoso e continuaram suas vidas, sem sequer visitar o paciente.

Precisamos de ajuda, uma Lei, programs sociais, políticas públicas que amparem o cuidador familiar, essa legião de anjos esgotados e sem forças para pedir ajuda.

Cuida de mim não é apelo... é DENUNCIA!

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