Nos tornamos reféns do Alzheimer e Depressão.
?A depressão assumiu contornos de alienação e total indiferença pelas pessoas e situações que o cercam. Ele está absolutamente só e parece confortável com isso. Talvez essa seja nossa condição básica ? somos sós.
Papai fica olhando para a parede durante horas, sem conversar ou se mexer. Fico imaginando: o que será que está passando na mente dele? Será que ele percebe o processo de desconstrução da sua história? E, se a história some, a personalidade e as certezas que brotaram e foram alimentadas dessa história também somem? O que fica? Nada?
O que somos? Um corpo animado por lembranças, histórias vividas, sonhos, metas, relações... E, se tudo isso se apaga, apagamos com elas? Fica só o corpo que se mantém vivo como qualquer motor, se abastecido com o combustível adequado??
Míriam Morata in Alzheimer diário do esquecimento
A depressão é como um visitante indesejado que fica de tocaia, à espera de algum descuido para invadir a casa e a vida, de todos que convivem com o Alzheimer.
E de repente o cansaço, o desespero, o medo e a mais absoluta impotência diante de tudo isso, abre todas as portas do nosso mundo e convida esse visitante cruel, para sentar à mesa e compartilhar conosco do nosso pão. E a partir daí, a depressão começa a se alimentar de tudo o que nos alimenta; toma conta da sala, dos labirintos e porões, e dita todas as regras da vida.
Nos tornamos reféns do Alzheimer e da depressão.
O cenário do nosso mundo perde a cor, e esquecemos de todas as tintas que, um dia, coloriram essa paisagem.
Que paisagem?
Uma parede nua sem fotos, sem histórias, sem os projetos e desenhos dos sonhos e metas que um dia, conferiram significado à vida.
Meu pai ficava imóvel, olhando para a parede nua e aos poucos, a parede também olhava para ele, como que desafiando os seu olhar vazio.
Quem irá nos resgatar desse abismo, que parece nos engolir um pouco a cada minuto?
Onde estão as mãos que sempre estiveram estendidas em nossa direção?
Desistiram?
Foram embora, com medo do contágio?
Estamos sós e nus?
Não!
Somos muitos; mas como criar estratégias para encontrar e segurar essas mãos, que estão estendidas pedindo socorro?
Ninguém consegue sair desse inferno sozinho. Não podemos permitir que o assombro e a exaustão matem a esperança, as cores e a força que estão escondida nesses escombros.
Pedir socorro, chorar alto e despudoradamente até cansar, agarrar-se à fé, essa muleta sagrada que nos ampara, quando permitimos.
Somos mais fortes do que tudo isso e as tintas que um dia coloriram nosso cenário, estão ao alcance das nossas mãos, basta desviar os olhos do abismo e olhar ao redor.
Míriam pegando a paleta e o pincel.
Míriam Morata
Lindo texto, adoro tudo o que você posta aqui.
exausta e arrastando nos últimos 10 anos cuidando de minha mãe.
Sozinha arrasto meus amargor e dissabores impostos, nua e encurvando a cada dia, ainda assim Nlnão tenho conseguido pegar o pincel para dar cor ou contorno para tão sombrios dias