Fresta no Tempo

De repente é como se o tempo desacelerasse, e aos poucos uma fresta se abre e somos lançados para fora do tempo e espaço. Essa fresta surge nos momentos mais dolorosos, quando a realidade parece um pesadelo e queremos acordar; ou em momentos em que nos percebemos no agora e esse agora traz tanta paz e felicidade, que ficamos alheios a tudo que nos cerca.

Existe um tempo fora do tempo, onde o espaço não tem nenhuma importância, pois nesse momento somos lançados para a dimensão mais sublime da Vida, lá onde o Eu tem morada e quase não nos permitimos visitar.

Estamos tão embriagados do ontem, do amanhã, daqui a pouco... que nos perdemos do agora.

A morte de alguém amado escancara essa fresta e nos lança para fora do tempo, mas um momento de felicidade e paz também tem esse poder. O nosso desafio maior é encontrar instantes de felicidade e paz, no meio de 'compromissos inadiáveis', 'perdas irreparáveis', dores insuportáveis e talvez, vazios que sufocam.

O Wotanzinho sabe como fazer essa viagem e está me ensinando. Neste momento ele e o osso são todo o Universo, ele nem percebe o seu regador querido, ou o prato de ração que está ao lado; há algumas horas ele está vivendo apaixonadamente o agora.

Onde está o meu osso?

Talvez perdido nas dobras do que não me permiti, por comodismo ou falta de coragem para dizer 'Não!', ou quem sabe eu nunca tenha me permitido ouvir o que o meu coração sussurra, porque às vezes a voz do coração é abafada pelas cobranças, críticas, ?verdades? impostas por aqueles que nunca entraram no tempo fora do tempo.

O meu osso é o livro que adiei, a paisagem que não me permiti apreciar porque estava apressada demais, os sonhos que não alimentei porque eram grandes demais para mim, aquele sorvete que não tomei com medo de engordar; aquele amigo que não abracei demoradamente porque estava atrasada...

O Wotanzinho está me ensinando a saborear o agora, e eu vou me esforçar para ser uma boa aluna.

Míriam Morata