Estou Abençoada
O silêncio é minha prece... a solidão é meu Templo.
Meus medos e desejos, minhas certezas e o assombro diante da imensidão da Vida, assumem a real dimensão ? Nada. Apenas uma gota no oceano infinito da minha real natureza.
Então eu silêncio, sento diante do Infinito e me permito fazer parte do Mistério que me abraça, alimenta e transborda de cada poro, cada célula do corpo que veste esta gota sagrada da minha natureza mais sublime a que chamo de Eu.
Ainda não sei quem é esse Eu e nem qual será a próxima coisa que vou perder.
Alzheimer é a doença das perdas. Eles me deixaram e não consegui impedir isso.
A vida vai passando como as estações para aprendermos a difícil lição de deixar partir, fechar as cortinas quando alguém amado sai de cena e continuar o espetáculo, mesmo que nossos olhos e Alma continuem procurando esse amor atrás dos bastidores, ou nos cantos do palco da vida.
Em todas as cenas esses fantasmas parecem nos dirigir, estão presentes em cada detalhe do cenário, cantam a trilha sonora e ajustam a iluminação para esconder aquilo que me faria brilhar novamente.
Sinto a mão trêmula da minha mãe segurando a minha, na tentativa de acalmar meu coração assustado. Ainda tento alcançar aquele fio de barba teimoso, no canto da boca do meu pai.
Mais do que perdão, amor, compreensão, sabedoria... o que nos realmente nos liberta é a Gratidão.
Como agradecer ao Inferno que o Alzheimer me arrastou?
Porque quando me vi no meio do mar bravo e meu barco ameaçava afundar, consegui compreender o que eu precisava aprender com tudo isso.
Não era aplacar a fúria do mar, não foi para isso que fomos feitos, mas cuidar do barco e chegar à outra margem.
Fomos feitos para a travessia e não para controlar o mar.
E continuamos seguindo, eles do lado de lá e eu deste, mas nós sabemos que bem lá no fundo do coração (que é a morada da esperança), não existe lado de lá e nem lado de cá, só existe um imenso oceano mágico feito de histórias e sentimentos e nós somos pequenas gotas nesse oceano.
Daqui a pouco, uma onda ou uma brisa mais forte, nos coloca novamente na mesma praia... Enquanto isso, eu continuo nadando e agradecendo.
Não é ao Alzheimer que eu agradeço por resgatar minha Luz, mas aos meus pais, que aceitaram abraçar a difícil missão de me ensinar a lição mais radical e dolorosa da minha vida.
Obrigada Pai por me poupar e atravessar o portal da Morte, no momento em que saí do quarto para tomar café da manhã.
Obrigada Mãe por fechar as cortinas do seu espetáculo da Vida, no momento em que eu saí do quarto para almoçar.
Obrigada por me ensinarem a cair e não ficar no chão;
Obrigada por ainda soprar as minhas feridas, enquanto tento fazer curativo;
Obrigada por me ajudar a consertar essa bagunça que ficou minha vida;
Obrigada por me ensinar a andar no escuro, sem medo e sem tropeçar em nada.
Obrigada minha velha, obrigada meu velho por tudo e por cada história que escrevemos juntos,
Obrigada por me ensinar a transformar saudade em força.
...
Estou abençoada, Pai!
Estou abençoada, Mãe!"
Míriam Morata, trecho de Alzheimer Assombro e Cura do Cuidador
Apesar das minhas próprias limitações e indisponibilidade física e mental. Tempestade não me arraste de vez, antes me lave de toda dor